Como fazer uma problematização ?

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A problematização é uma etapa essencial na construção de uma pesquisa científica. Trata-se do processo de identificar, delimitar e justificar uma situação-problema que precisa ser investigada, estabelecendo o caminho para a formulação do problema de pesquisa. Este artigo aborda os fundamentos teóricos da problematização, sua importância na prática científica e apresenta seis exemplos aplicados em distintas áreas do conhecimento.

Toda pesquisa científica nasce de uma inquietação. No entanto, para que essa inquietação se transforme em conhecimento, ela precisa ser formulada de maneira clara, coerente e metodológica (baseada na Metodologia da Investigação Cientifica). É nesse ponto que se insere a problematização da pesquisa. Trata-se de levantar uma questão significativa a partir de uma situação real ou teórica, conectando lacunas do saber a possibilidades de investigação. A problematização não é apenas um ponto de partida: ela direciona todo o percurso metodológico, define objetivos e fundamenta a escolha dos métodos. Este artigo visa discutir o conceito de problematização, seus elementos constituintes e oferecer exemplos concretos de diferentes áreas, destacando sua relação com o problema de pesquisa.

O que é Problematização?

Problematizar significa levantar um problema com base em uma análise crítica da realidade ou da literatura existente. Não se trata apenas de apontar uma dúvida, mas de contextualizá-la e justificar sua relevância social, científica e/ou prática. A problematização consiste em “formular de modo claro e preciso o problema que será investigado”, buscando responder a perguntas como:

      • Qual é a situação observada?

      • Por que isso é um problema?

      • O que já se sabe sobre isso?

      • O que ainda não se sabe?

      • O que se pretende investigar?

    O resultado desse processo é o problema de pesquisa uma pergunta norteadora que guiará toda a investigação.

    Exemplos de Problematização em Diferentes Áreas do Conhecimento

    Exemplo 1 – Área: Educação

    Tema: Tecnologias digitais no ensino fundamental

    Escolas públicas têm investido na inclusão de tecnologias digitais em sala de aula, como tablets, plataformas de ensino e lousas interativas. Apesar da presença desses recursos, o desempenho dos alunos não tem melhorado de forma significativa, e muitos professores relatam dificuldades na sua utilização pedagógica. Pesquisas apontam que a simples presença da tecnologia não garante aprendizagem; o sucesso depende de sua mediação pedagógica e formação docente. Falta compreensão sobre como as tecnologias estão, de fato, sendo integradas nas práticas pedagógicas e se há correlação real com os indicadores de desempenho escolar. Como o uso de tecnologias digitais impacta o desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental em escolas públicas e quais fatores influenciam essa relação?

        1. Qual é a situação observada?
          Escolas públicas têm investido na inclusão de tecnologias digitais em sala de aula, como tablets, plataformas de ensino e lousas interativas.

        1. Por que isso é um problema?
          Apesar da presença desses recursos, o desempenho dos alunos não tem melhorado de forma significativa, e muitos professores relatam dificuldades na sua utilização pedagógica.

        1. O que já se sabe sobre isso?
          Pesquisas apontam que a simples presença da tecnologia não garante aprendizagem; o sucesso depende de sua mediação pedagógica e formação docente.

        1. O que ainda não se sabe?
          Falta compreensão sobre como as tecnologias estão, de fato, sendo integradas nas práticas pedagógicas e se há correlação real com os indicadores de desempenho escolar.

        1. O que se pretende investigar / problema de pesquisa?
          Como o uso de tecnologias digitais impacta o desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental em escolas públicas e quais fatores influenciam essa relação?

      Exemplo 2 – Área: Saúde

      Tema: Saúde mental de profissionais da linha de frente na pandemia

      Durante a pandemia de COVID-19, profissionais da saúde estiveram submetidos a jornadas exaustivas, risco de contaminação e estresse emocional contínuo. Esse contexto favorece o surgimento de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e burnout, afetando a saúde dos trabalhadores e o funcionamento dos serviços de saúde. Estudos realizados durante a pandemia já indicaram altos índices de sofrimento mental entre esses profissionais em diferentes países. Ainda é incerto quais foram os impactos psicológicos de longo prazo após o período crítico da pandemia, principalmente no contexto brasileiro. Quais são os efeitos psicológicos de longo prazo em profissionais da saúde que atuaram na linha de frente da pandemia da COVID-19, e quais estratégias de enfrentamento têm sido mais eficazes para lidar com esses sintomas persistentes?

          1. Qual é a situação observada?
            Durante a pandemia de COVID-19, profissionais da saúde estiveram submetidos a jornadas exaustivas, risco de contaminação e estresse emocional contínuo.

          1. Por que isso é um problema?
            Esse contexto favorece o surgimento de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e burnout, afetando a saúde dos trabalhadores e o funcionamento dos serviços de saúde.

          1. O que já se sabe sobre isso?
            Estudos realizados durante a pandemia já indicaram altos índices de sofrimento mental entre esses profissionais em diferentes países.

          1. O que ainda não se sabe?
            Ainda é incerto quais foram os impactos psicológicos de longo prazo após o período crítico da pandemia, principalmente no contexto brasileiro.

          1. O que se pretende investigar / problema de pesquisa?
            Quais são os efeitos psicológicos de longo prazo em profissionais da saúde que atuaram na linha de frente da pandemia da COVID-19, e quais estratégias de enfrentamento têm sido mais eficazes para lidar com esses sintomas persistentes?

        Exemplo 3 – Área: Meio Ambiente

        Tema: Gestão de resíduos sólidos urbanos em comunidades periféricas

        O volume de lixo gerado nas cidades brasileiras cresce constantemente, especialmente em áreas urbanas periféricas. Essas regiões, geralmente negligenciadas pelo poder público, sofrem com a ausência de coleta seletiva, o acúmulo de resíduos e impactos ambientais e sanitários. Diversos estudos apontam a ineficiência das políticas de gestão de resíduos sólidos e a falta de inclusão de catadores e da comunidade nesse processo. Não se sabe, com clareza, de que forma a ausência de políticas públicas eficazes afeta especificamente essas comunidades e como elas reagem localmente à situação. Quais são os impactos da ausência de políticas públicas na gestão de resíduos sólidos urbanos em comunidades periféricas e como essas comunidades têm desenvolvido estratégias locais de enfrentamento?

            1. Qual é a situação observada?
              O volume de lixo gerado nas cidades brasileiras cresce constantemente, especialmente em áreas urbanas periféricas.

            1. Por que isso é um problema?
              Essas regiões, geralmente negligenciadas pelo poder público, sofrem com a ausência de coleta seletiva, o acúmulo de resíduos e impactos ambientais e sanitários.

            1. O que já se sabe sobre isso?
              Diversos estudos apontam a ineficiência das políticas de gestão de resíduos sólidos e a falta de inclusão de catadores e da comunidade nesse processo.

            1. O que ainda não se sabe?
              Não se sabe, com clareza, de que forma a ausência de políticas públicas eficazes afeta especificamente essas comunidades e como elas reagem localmente à situação.

            1. O que se pretende investigar / problema de pesquisa?
              Quais são os impactos da ausência de políticas públicas na gestão de resíduos sólidos urbanos em comunidades periféricas e como essas comunidades têm desenvolvido estratégias locais de enfrentamento?

          Exemplo 4 – Área: Tecnologia

          Tema: Inteligência Artificial e ética no mercado de trabalho

          Empresas de diversos setores vêm substituindo trabalhadores humanos por sistemas de inteligência artificial para aumentar produtividade e reduzir custos. Essa substituição levanta questões éticas e sociais importantes, como desemprego, precarização do trabalho e desigualdade no acesso às novas tecnologias. Há estudos econômicos e sociológicos que discutem os impactos da automação no emprego, especialmente em setores operacionais e administrativos. Pouco se sabe sobre os dilemas éticos enfrentados pelas empresas na adoção da IA e como esses dilemas são tratados no contexto organizacional. Quais são os principais desafios éticos relacionados à substituição de trabalhadores humanos por sistemas de inteligência artificial no setor de serviços, e como podem ser enfrentados para garantir uma transição justa?

              1. Qual é a situação observada?
                Empresas de diversos setores vêm substituindo trabalhadores humanos por sistemas de inteligência artificial para aumentar produtividade e reduzir custos.

              1. Por que isso é um problema?
                Essa substituição levanta questões éticas e sociais importantes, como desemprego, precarização do trabalho e desigualdade no acesso às novas tecnologias.

              1. O que já se sabe sobre isso?
                Há estudos econômicos e sociológicos que discutem os impactos da automação no emprego, especialmente em setores operacionais e administrativos.

              1. O que ainda não se sabe?
                Pouco se sabe sobre os dilemas éticos enfrentados pelas empresas na adoção da IA e como esses dilemas são tratados no contexto organizacional.

              1. O que se pretende investigar?
                Quais são os principais desafios éticos relacionados à substituição de trabalhadores humanos por sistemas de inteligência artificial no setor de serviços, e como podem ser enfrentados para garantir uma transição justa?

            Exemplo 5 – Área: Economia

            Tema: Informalidade no mercado de trabalho

            Mesmo com o crescimento econômico em determinados períodos, a taxa de trabalhadores na informalidade permanece alta em várias regiões do Brasil. A informalidade compromete a arrecadação de impostos, reduz a proteção social do trabalhador e dificulta a fiscalização das relações de trabalho. A informalidade está associada a baixos níveis de escolaridade, falta de qualificação profissional e burocracias para a formalização. Ainda não está claro como diferentes políticas públicas afetam a decisão de trabalhadores e empreendedores de permanecerem na informalidade. Como políticas públicas voltadas à formalização impactam o comportamento dos trabalhadores informais em regiões com alta vulnerabilidade social?

                1. Qual é a situação observada?
                  Mesmo com o crescimento econômico em determinados períodos, a taxa de trabalhadores na informalidade permanece alta em várias regiões do Brasil.

                1. Por que isso é um problema?
                  A informalidade compromete a arrecadação de impostos, reduz a proteção social do trabalhador e dificulta a fiscalização das relações de trabalho.

                1. O que já se sabe sobre isso?
                  A informalidade está associada a baixos níveis de escolaridade, falta de qualificação profissional e burocracias para a formalização.

                1. O que ainda não se sabe?
                  Ainda não está claro como diferentes políticas públicas afetam a decisão de trabalhadores e empreendedores de permanecerem na informalidade.

                1. Problema de pesquisa:
                  Como políticas públicas voltadas à formalização impactam o comportamento dos trabalhadores informais em regiões com alta vulnerabilidade social?

              Exemplo 6 – Área: Direito Constitucional / Direitos Humanos

              Tema: Efetividade do direito à moradia no Brasil

              Apesar de o direito à moradia estar previsto na Constituição Federal como um direito social, milhões de brasileiros vivem em condições precárias, como favelas, ocupações e áreas de risco. A inefetividade desse direito gera desigualdade social, exclusão e violações de outros direitos fundamentais, como saúde e segurança, agravando a vulnerabilidade de populações inteiras. Estudos apontam que políticas públicas como o “Minha Casa, Minha Vida” ajudaram a reduzir o déficit habitacional, mas também apresentaram problemas como localização periférica e falta de infraestrutura urbana. Falta compreender como decisões judiciais e políticas públicas vêm sendo (ou não) aplicadas para garantir a efetividade do direito à moradia e quais os entraves jurídicos e administrativos envolvidos. Quais os principais obstáculos jurídicos e institucionais para a efetivação do direito à moradia no Brasil e como superá-los no contexto das políticas públicas habitacionais?

              1. Qual é a situação observada?
              Apesar de o direito à moradia estar previsto na Constituição Federal como um direito social, milhões de brasileiros vivem em condições precárias, como favelas, ocupações e áreas de risco.

              2. Por que isso é um problema?
              A inefetividade desse direito gera desigualdade social, exclusão e violações de outros direitos fundamentais, como saúde e segurança, agravando a vulnerabilidade de populações inteiras.

              3. O que já se sabe sobre isso?
              Estudos apontam que políticas públicas como o “Minha Casa, Minha Vida” ajudaram a reduzir o déficit habitacional, mas também apresentaram problemas como localização periférica e falta de infraestrutura urbana.

              4. O que ainda não se sabe?
              Falta compreender como decisões judiciais e políticas públicas vêm sendo (ou não) aplicadas para garantir a efetividade do direito à moradia e quais os entraves jurídicos e administrativos envolvidos.

              5. Problema de pesquisa:
              Quais os principais obstáculos jurídicos e institucionais para a efetivação do direito à moradia no Brasil e como superá-los no contexto das políticas públicas habitacionais?

              A problematização é um dos pilares da pesquisa científica. Um problema bem formulado permite uma investigação mais objetiva, delimitada e relevante. Como vimos nos exemplos apresentados, a escolha do problema deve considerar sua pertinência social, acadêmica e a possibilidade de ser respondido por meio de métodos científicos. Investir tempo e esforço na problematização é, portanto, garantir a qualidade e a profundidade de uma pesquisa. O pesquisador que sabe perguntar com clareza tem mais chances de obter respostas significativas.

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